“Fala-se tanto de memória porque ela não existe mais”, exclamou o historiador sobre a posição de querer transformar nossas lembranças em história. Quando perdemos uma pessoa que confessamos parte de nossa vida, parece que perdemos parte de nossa memória, uma fatia de nossas próprias histórias. Tudo que temos é sempre o que nossa vida será.

Eu tentei repelir o tempo e escrevi uma outra trajetória de olhos fechados. Refugiando-se em sombras, eu estava esperando por você dentro de meu próprio orgulho covardemente... mas como estamos distantes, somente um longo lapso temporal pode mediar nossa relação de longa duração. Somente os pássaros podem ir tão longe na liberdade de suas asas. O sol se pôs e não percebi que o dia acabou.

Os sentidos estão pesados, fiquei algum tempo fora de minha própria realidade. Alguns anos já se passaram e as ilusões se apagaram. O absinto de Baudelaire já não me embriaga, as orgias sadicas não me trazem nenhum prazer, assim como afastei-me do spleen byroniano. Eu não sou o mesmo e os dias foram os piores. Agora a vida não é linear e o circulo se completou. Não há nenhum degrau acima. Encontrei o ponto que me inclina ao caos, daqui não posso recuar, não se pode mais respirar esta atmosfera. Esta é a realidade: quando o ser metamorfoseia-se em nada.

As escolhas assaltaram os sentimentos, rompeu-se os sentidos e criou-se uma inquietante alucinação pela nostalgia, mas sobretudo pela vontade de viver tudo no presente. Mas tudo passou, não retornaremos, esse é o fim. O que resta é um tempo que vai se desgastando a cada segundo pelo silêncio total.

Arruinarei algumas horas na existência, mas afinal, poderei assassinar a memória em um profundo sono do esquecimento? Uma corda envolvida no pescoço e uma faca cravada no pulso é a única certeza do óbito histórico.

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