Expedições internas – O que vi e conheci

Primeiramente um olhar sonolento de quem teve uma noite mal dormida e de quem verá um dia nascer diferente.

 
Ainda era cedo quando as primeiras dificuldades vieram, mas continuamos.
Vimos o sol flamejar pela esquerda e começou a revelar o verde que íamos ver por algum tempo.
Estávamos fascinados pelo o que poderia vir, sem ter idéia do que era na verdade.
Logo não vimos a primeira hora passar e chegamos no primeiro ponto onde assinalava uma ponte antiga, a qual só conhecíamos por “ouvir falar” ou ainda em livros. Era um primeiro contato com a história. Chegamos ao povoado, onde não nos demoramos muito e por um breve contato visual pude perceber que a localidade estava em ritmo de álcool, bêbados e putas a festejar.
E continuamos... O asfalto estava parecendo uma linha estendida ao chão, mas a qual não saberia o fim. O olhar se mantém fixo e reto na linha imaginária que uma vez ou outra aparece com várias ladeiras.






Em outro ponto observei mais um grande trecho da história regional que eu não sabia que existia em determinada localidade. Eram os mesmos objetos antigos que existem no lugar de onde eu saí. A diferença é que nesse ponto eles são menos, porém parece ter mais valor e significância, pelo fato de o colocarem como distintivo daquela região. As faces que apareciam por lá eu não conhecia de nenhum lugar. Nosso sustento do começo até aqui, foi apenas uma caixa de leite.






E seguimos na linha... Dissipavam-se vários personagens ao longo daquele cinzento e quente chão. Duas pessoas na beira da escaldante linha esperando ajuda para se locomoverem. Um homem barbudo com garrafas no meio do “nada”. Um posto de gasolina mórbido. A sensação era mais estressante o calor provocava sede. Tão quente que eu já estava desacreditado na camada de ozônio. A fome estava estampada nos olhos de cada um. O corpo pedia um rio, mas a margem da linha só evidencia floresta e pasto. O único ruído aos ouvidos era de motores. O nosso objetivo tinha se tornado um desafio, era vencer a nós mesmos. Não que o ponto de chegada fosse uma vitoria, mas demonstraria superação por pessoas que saíram de suas estagnações com meia idéia de mundo na cabeça na busca de ver de perto parte do ambiente que a tanto discursam em seus cotidianos. Era uma tríade demente.






Deixamos a visão das outras cidades para a volta e nos apressamos, já contavam mais de sete horas de viagem. Passamos a divisa dos estados. Daí pra frente, decidimos não parar mais, correndo cada vez mais. Agora o estresse era maior, pois não encontrávamos nada, nem mesmo um povoadozinho. Caralho de capital! Nenhuma placa avisando “Capital a ‘x’ km, relaxe otário”. Em nossos planos e segundo as placas anteriores, já deveríamos ter chegado, mas só víamos floresta, pasto e fazenda. Começamos a nos torturar, será que seguimos uma lenda? Mesmo assim nossos motores seguiam para essa inexistência, a história.






Com mais de 10 horas de estrada, finalmente surge o povoado. Na entrada um cemitério, ta explicado. E depois daí percorremos mais uns 10 km, para chegar à zona urbana. Nem mesmo a fome, a sede e o cansaço tiraram nossa vontade de conhecer primeiro o local para depois as necessidades. E olhávamos, éramos olhados. Sorriamos, para o humano. Comparávamos. o rio deles era menor. O transito era diferente, organizado. Eles tinham pontes, locais públicos limpos, prédios históricos preservados, a história do povo em todos os pontos, a borracha. Um local antigo chamado mercado velho. A enorme bandeira do Estado na beira do rio fez com que eu tivesse um sentimento regional maior. Uma praça chamada Revolução, sem muito militarismo e coronelismo despóticos. Vimos a desigualdade social ao lado do centro da cidade, uma área baixa com casas de madeira sem infra estrutura nenhuma, enquanto em outra esquina, bom asfalto, saneamento básico, várias câmeras, fiscalização eletrônica e até um guarda de transito auxiliando. Eles têm um museu da borracha, objeto que parece ter marcado a história dessa população. Era domingo a noite e muitos locais permaneciam aberto ao publico, admirável. Mulheres, a população parecia ser majoritariamente por mulheres. Não foi possível perceber uma diversidade de pessoas no que se refere ao costume, parecia que todos pertenciam a aquele local, isso foi comprovado no olhar deles para nós. Éramos outros, porém de lá.


A noite andamos mais, estava tendo um evento de musica, pop rock, onde tinham alguns jovens curtindo, nada muito underground. Atravessamos o outro lado da cidade no outro lado do rio. Vimos os prédios históricos de perto e ali mesmo era o point das festas, som alto e bebidas.


Após tudo isso, fomos dormir... Dormimos na praça da Revolução. Dormi bem, embora preocupado. Pela manhã revisamos as motos e seguimos para o ultimo ponto a universidade federal. Não fiquei muito impressionado quanto a este ultimo. E daí então pegamos a BR, rumo as nossas origens. E seguimos mais uma vez sem o café da manhã. Conseguimos tomar banho em um lago e seguimos estrada. Desenvolvemos a maior velocidade de nossas motos e seguimos por 100km sem paradas. Apesar da volta estar ocorrendo mais rápida a nossa paciência tava esgotada e a tendência era consumir ainda mais. Mais um dia de sol latente e olhar fixo na linha imaginaria cinzenta. Era uma espécie de psicologia da consumição sustentada pela filosofia da imaginação. Nossa melhor refeição foi na volta, um misto quente com refrigerante. Ahh...
Depois daí ficamos mais extrovertidos. De vez em quando riamos de algo.
E quando estávamos próximos a nossa procedência um dos motores fundiu, mas logo conseguimos carona e chegar no nosso ponto inicial. Mas não deixou de ser uma situação complicada.



Apesar de todas as dificuldades, não me senti um animal fora de seu habitat, pelo contrario. Somos de um único lugar, Amazônia. O clima sempre foi esse que sentimos, a distancia é grande e sempre foi assim... A diferença é que tínhamos que sentir isso na “pele”!
Será que teríamos essa percepção de mundo se chegássemos lá sem dificuldade, sem fome, sem sede, sem vontade?

Percorremos parte do sudoeste amazônico, temos motivos para nos orgulhar do que vimos. Temos motivos também pra repudiar outro lado que continua esquecido. Vimos tudo de muito perto e rapidamente, ainda é uma visão superficial de mundo. Mas é uma visão prática e de vivencia. Não é mais teórica. E isso é fundamental.